Serge Bastarich

ASSOMBRAÇÃO

Serge Bastarich



Furtivas, pelos muros da cidade,

Movem-se sombras entre vielas e becos.

São testemunhas da vida,

São mensageiras da morte,

Escorregam nas calçadas,

Onde pisam os homens,

Onde dormem os homens,

Onde esmolas são atiradas sem a cor dos olhos.



Entristecidas sombras,

Curvam-se em dias de fome,

Contorcem-se em horas de insônia,

E, livremente, trafegam na cabeceira,

Em forma de bichos e temores.



Co-irmãs nas horas arrastadas,

Fantasmas dos medos insidiosos,

Companheiras das noites sem versos.



Derradeiras sombras,

De conhecidos rostos,

Reúnem, mal delineados,

Todos os poetas das madrugadas sem poesia.

Serge Bastarich



CASTELO DE SOMBRAS

Tenho um castelo de sombras
Construído de pedras polidas na dúvida.
Argamassa de arremedos,
Como o rio silencioso por trás das horas sem sono,
Que faz curva e retorna ao tempo de cerrar.
A cena é inóspita, como que num estado de folha seca
Em decomposição da tarefa de aceno ao vento.
Não há que extrair verdades a foice.
O verbo é lento e insidioso,
Corroi o reboco de tudo, de mim.

Moro num castelo de sombras,
 identidade forjada em pedra.
Sou da longa estirpe de erguer pirâmides,
Em que cada bloco assentado
Tem a ira do deserto.

Não há que esperar aurora.
A sombra vem como um sopro sutil,
Sibilante silhueta em sensual oferta,
E se instala nas paredes,
E se arrasta lesma nas frestas do tempo.
Essa doce e fogosa Senhora exaure os olhos,
Extenua os lábios e a saliva,
E suga todo o viés da noite.
[SERGE BASTARICH  -  andarilho e artesão]