UMA PARTE DE MIM JÁ MORREU
Mario Voluntad
Uma parte de mim já morreu
com as pessoas queridas.
Por isso nunca estou inteiro:
só levo onde vou pedaços de mim.
Vejo com um só olho,
ouço com um só ouvido,
rio com metade da boca.
Sou não mais que reunião
de partes sobreviventes.
Se aceitável o conjunto,
faltam peças, no entanto,
ausências que tento esconder
em jogos de claro-escuro
dos quais às vezes me canso:
É quando acendem-se as luzes
e revelo meus vazios.
Ou quando elas apagam
e posso chorar em paz.
Mario Voluntad
Pois tudo passa:
vão os segundos, os minutos, as horas,
com eles dias, as semanas, meses . . .
E mais iriam, se não fossem às vezes
umas saudades que lhes dão demoras.
Verdes, as lembranças de infância:
folhas, plantas, águas, tantas.
Verde era a cor do mundo:
só depois um tom segundo.
Mas se saudades têm cores
mesmo sendo fugidias
só podem ser de amores
(de instantes, meses, ou dias)
em matizes furta-cores.
******
NINGUÉM HÁ QUE TEVE AMOR, TRISTEZAS NÃO
Mario Voluntad*
Porque quisera que o amor tivesse sidode suas lembranças só a que ao fim restouentão cantou, bebeu, dançou, depois choroupor toda a noite até o dia amanhecido.
Enfim exausto, aceitou que o acontecidofoi o que foi, não o que embalde desejouno território movediço que arou.E achou humano o retrato esmaecido:
Não foi perfeito, nem foi tudo – foi reale por ter sido verdadeiro se inscreveentre outros gestos, como aquele principal.
O mais é vão, seria abuso que não deveaborrecer a esta altura o coração– Pois ninguém há que teve amor, tristezas não.
[*Nasceu em Granada, na Espanha, filho de mãe brasileira e pai cigano,há mais ou menos 50 anos (a verdadeira idade ele não revela). Na mocidade, foi toureiro em Sevilha, e depois viveu um tempo na Argentina. Orgulha-se de sua ascendência zíngara, como diz. Passional e emotivo, leva a vida como se fosse um tango.]
Nenhum comentário:
Postar um comentário