Vulnerant omnes, ultima necat
Kaula Kandir
fale para esta dor, poesia
que ainda há brasa nas cinzas
resto-me, esta palavra ferida
fale para esta dor, poesia
que ainda há sangue nas páginas
em cinzas, a mão do verbo
já não guia, me desampara
fale para esta dor, poesia
que meu verso arde em chagas
quedo-me dentre as valas sombrias
e esta dor, poesia, com fio grosso de limo:
-costura-me em cruz e espinho!
kauala kandir
[das mágoas, o fel e o veneno]
a tristeza fragmentada , a agonia cravada na memória das horas
as garras do medo, a acidez das mágoas, as chagas dos insultos
julgara mortos
porém,ainda insepultos
cortar as veias da noite com a lâmina da insônia
apagar os passos de assombrados vultos, amordaçar a fúria da palavra que me escapa
afiar o corte do verbo e o fio da navalha
assassinar a crueldade dos deuses pelos castigos herdados
soterrar em absoluto desprezo, todos os fantasmas:
!em gélida cova rasa
as dores tem cifras redondas
dez mil vezes queimam, dez mil vezes sangram
dentro delas o veneno e o fel das mágoas
como sentinelas ,
espreitam minh'alma com seu punhal agudo
sei-me :
! sob jugo
Kauala Kandir
Epifania de Quase Escuro
Kauala Kandir*
os rostos que me assaltam
apenas nuances de ausências,fumaças
das quais nada retenho, exceto o gesto inesperado
que antecipa o poema, que antedece o quente e o frio
da insana palavra,às vezes lágrimas
nada guardo senão o espanto
porque tudo está entre o vazio e o que não é
máscaras da tez do esquecimento, que paralisa o momento
nas bordas da toalha adamascada, no fulcro da xícara de chá
no sepulcro da sala de estar
a revolta do escuro irriga os olhares do entardecer
que manipula os pontos cardeais do esquecimento
quedo-me diante as exéquias deste momento
enquanto dobram os sinos do silêncio
velo-me sombras
em
solidão e dor
única eternidade que me restou
mas,
ninguém nunca notou ******
Cimitarra
Kauala Kandir *
no leito das sombras as dores da palavra
tal qual das crisálidas ao nascer de borboletas
a cada súplica, dos céus, um consentimento fugaz
que abriga nos veios turvos a argamassa das letras
a claridade desponta feito cimitarra
ágil e fria
corta o poema em fatias
tocar é possível
assim como
no desespero de lázaro para virar ressurreição
assim como
na fé dos pios em inócua esperança de perdão
assim como
nas lágrimas dos rios desbordando no mar à cata de redenção
entre as frestas de luz esquecidas pelo vento
o verbo se esgarça para cavar abismos
onde guardados os mistérios do mundo
vezes límpida, vezes sombria
no meio fio a estiagem do escuro
réstia de luz que sangra as retinas do dia
nenhuma claridade é inocente
grito e espio
a agonia escorrendo das veias da poesia
vida e morte
enfileiradas
inútil vestir sombras,toda luz é devassa
[ *Natural das montanhas , nasceu entre sombras e trovões, nômade e eremita, por total cansaço da humanidade. ]